“Na verdade, o capitão possibilitou e incentivou a manifestação da banalidade do mal na sociedade brasileira”, escreve Edelberto Behs, jornalista.
Fosse viva hoje, a jornalista, professora e filósofa alemã naturalizada estadunidense Hannah Arendt (1906-1975) teria no Brasil o laboratório perfeito para dar prosseguimento aos seus estudos sobre a banalidade do mal, que recebe grande impulso hoje pela distribuição de desinformações em redes sociais.
A banalidade do mal se materializa a cada dia no país, de norte a sul. Mas ficou escancarada com a reação do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) ao atirar com fuzil e granadas de efeito moral contra agentes da Polícia Federal, no domingo, 23, que foram prendê-lo. Jefferson é aliado do presidente Jair Bolsonaro, mas o capitão, mais do que depressa descartou-o, chamando-o de “bandido”.
Em 2018, a “arminha” feita com a mão foi um dos símbolos da campanha bolsonarista. Evangélicos a “sacaram” mesmo em templos. Para 2022, a barbárie evoluiu: as armas foram sacadas de verdade, mataram gente, atiraram pra valer.
A pessoa de bem deve estar armada para defender a família, eis a justificativa para inundar o Brasil em armas. O capitão incentivou e facilitou a aquisição e porte de armas. E tem “gente de bem” recorrendo a esse recurso, mas não em defesa da família, mas para atacar quem não pensa como bolsonaristas. O ex-deputado do PTB foi mais longe: chegou a atacar a própria Polícia Federal, um organismo do governo.
Um “bandido” que fez o que o capitão incentivou: armar-se. “Não tem uma foto ele comigo”, disse Bolsonaro tentando desvincular-se do aliado político. Logo após, choveram nas redes sociais fotos do capitão com Jefferson, agora inconveniente. Para não fugir à regra, mais uma mentira nas contas do capitão. Descartar pessoas amigas, aliadas, é, para Bolsonaro, como trocar de camisa.
Chamada a fazer a cobertura do julgamento do nazista Karl Adolf Eichmann, escondido na Argentina, onde foi sequestrado por forças israelenses e levado para Jerusalém em 1961, Hannah passou a refletir sobre o desenvolvimento do nazismo e a barbárie que produziu, quando escreveu sobre a “banalidade do mal”.
Como banalidade do mal, Arendt referiu-se à passividade capaz de produzir uma massa de pessoas que não conseguem formular juízos críticos. “Os grandes produtores do mal são aqueles que nunca se lembram, porque nunca se envolvem na atividade de pensar. Nada pode retê-los, porque, sem recordações, ficam sem raízes”, definiu. A ausência de reflexão crítica motiva a falta de compromisso ético.
“Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”, descreveu a Arendt.
No Brasil, encontramos um contingente de pessoas que não sabem argumentar, uma manada que não consegue manter um diálogo racional sem entrar em emocionalismos e apelos sem fundamento, recorrendo a desinformações e mimimis. Não leem, não se informam, ficam restrito à sua bolha, incrementada por “notícias” do gabinete do ódio, em benefício de um governo que já e uma tirania.
Bolsonaro bota a cara no fogo pelo seu (ex) ministro da Educação e os benefícios a pastores que cobravam propina a peso de ouro, depois o esquece. Não fosse a denúncia de funcionário público, o Ministério da Saúde compraria vacinas de combate à covid-19 superfaturadas, como ficou demonstrado em CPI. Mas o capitão insiste em dizer que no seu governo não tem corrupção.
Bolsonaro destampou a garrafa onde estavam contidos a violência, a agressividade, os ataques à imprensa, a crueldade, o barbarismo, a intolerância, a impiedade, a desumanidade, como imitar, ao vivo, uma pessoa com falta de ar em plena pandemia de covid-19, afirmar que não era coveiro, que as pessoas morrem, e daí? Ataca negros, moradores de favela, indígenas, pobres, trabalhadores, mas se apresenta como o candidato “para o bem do Brasil”.
Na verdade, o capitão possibilitou e incentivou a manifestação da banalidade do mal na sociedade brasileira.